A Bíblia e o Apocalipse
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- Categoria: Estudos
- Publicado: Domingo, 20 Julho 2003 23:41
- Escrito por Christian Zornoff
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O medo, a fé e a imaginação alimentam a crença de que o fim do mundo está próximo
O maior livro do verão trata do fim do mundo. Ele é também é um sinal de nossos tempos agitados
O que mais lhe interessa quando você assiste ao noticiário? Sinais de que as taxas de juros poderão aumentar, o que talvez signifique que seja hora de buscar um refinanciamento. Sinais do aquecimento global, o que talvez signifique que seja hora de esquecer aquele novo utilitário esporte. Sinais de novas atividades terroristas, o que talvez signifique que seja melhor pensar duas vezes antes de pegar aquele vôo para Chicago. Ou sinais de que o mundo pode estar chegando ao fim, e que a última batalha entre o bem e o mal está prestes a ocorrer? Para os cristãos evangélicos interessados nas profecias, as manchetes sempre vêm com asteriscos que apontam para as notas de rodapé das Escrituras. É desta forma que Todd Strandberg lê seu jornal. De dia, ele conserta aviões na Base Offutt da Força Aérea em Bellevue, Nebraska. Mas nas suas horas de descanso, ele é o webmaster do site raptureready.com e inventor do Índice do Arrebatamento, que ele chama de um "índice Dow Jones da atividade do final dos tempos". Ao invés de ações, ele rastreia as profecias: terremotos, inundações, pragas, criminalidade, falsos profetas e medições econômicas como o desemprego, que geram instabilidade e perturbação social, que por sua vez abrem o caminho para o Anticristo. Em outras palavras, o quão perto estamos do fim do mundo. O índice atingiu sua maior alta em 24 de setembro, ao chegar aos 182 pontos, enquanto seu servidor quase entrou em colapso devido ao peso do acesso de 8 milhões de visitantes: qualquer leitura acima de 145, disse Strandberg, significa "aperte os cintos".
Não é o fim do mundo, nossas mães sempre nos disseram. Isto sempre ajudou a colocar o leite derramado em perspectiva, mas também servia como uma introdução para um ponto de referência básico humano. Aparentemente nós nascemos com um instinto de que o fim está lá em algum lugar. Nós temos um impulso cultural para imaginá-lo -e mantê-lo acuado. Assim como todas as culturas têm suas histórias para a criação, elas também têm suas visões do final, da Bíblia às histórias milenares dos maias. Geralmente as fábulas habitam em nosso inconsciente, ou não, já que damos continuidade às nossas vidas, condicionados a achar que por pior que as coisas estejam, não é você já sabe o quê. Mas há momentos na história humana em que instinto, fé, mito e os eventos atuais se somam para criar uma tempestade perfeita de preocupação. As visões do fim despontam na mente das pessoas de muitas formas, do entretenimento à fascinação supersticiosa, passando pela crença mais fervorosa. Este parece ser um destes momentos.
A experiência do outono passado -os ataques terroristas, as mortes por antraz- não apenas aprofundou o interesse entre os cristãos fluentes na linguagem do Armageddon e do Apocalipse. O interesse se estendeu até um público que nunca tinha prestado muita atenção às previsões apocalípticas do profeta Nostradamus, ou tinha se preocupado com a batalha épica que marca o final dos tempos, ou neste caso, lido o livro do Apocalipse da Bíblia. Desde 11 de setembro, pessoas dos cantos mais indiferentes do cristandade começaram a fazer perguntas sobre o que a Bíblia tem a dizer sobre como o mundo acabará, e os pregadores têm respondido às perguntas com sermões que não imaginariam que estariam fazendo há um ano. E até mesmo entre os americanos mais seculares, há alguns que viram uma profecia na fumaça das torres em chamas -apesar de estar mais ligada à leitura que fizeram na praia do que com seus estudos da Bíblia.
Isto porque entre os livros de ficção mais vendidos dos últimos tempos -ao lado de Tom Clancy e Stephen King- está uma série sobre o Final dos Tempos, escrita por Tim F. LaHaye e Jerry B. Jenkins, baseados no livro do Apocalipse. Tal parte da Bíblia sempre manteve seus mistérios, mas para milhões de pessoas o código foi revelado em 1995, quando LaHaye e Jenkins publicaram "Deixados para Trás: Uma Ficção dos Últimos Dias" (Left Behind: A Novel of the Earth's Last Days). Pessoas que não leram o livro ou suas seqüências geralmente nunca nem mesmo ouviram falar sobre eles, mas o sucesso deles é uma nova evidência de que o interesse pelo Final dos Tempos não é um fenômeno marginal. Apenas metade dos leitores de "Deixados para Trás" são evangélicos, o que sugere que há um público maior interessado no assunto.
Uma pesquisa Time/CNN revelou que mais de um terço dos americanos agora está prestando mais atenção em como as notícias podem estar relacionadas ao fim do mundo, e que já conversaram sobre o que a Bíblia tem a dizer sobre o assunto. 59% disseram acreditar que os eventos narrados no Apocalipse se concretizarão, e cerca de um quarto acha que a Bíblia previu o ataque de 11 de setembro.
Parte do interesse é alimentado pela fé, parte pelo medo, parte pela imaginação, mas todos os três são atendidos pela série "Deixados para Trás". Os livros oferecem aos leitores uma descrição intensa, violenta e altamente detalhada do que acontecerá para aqueles que forem deixados para trás na Terra para combater o Anticristo depois que Jesus realiza o arrebatamento, ou a condução dos fiéis ao céu. No início do Livro 1, em um 747 saído de Chicago para Heathrow, as comissárias de bordo repentinamente encontram metade dos assentos vazios, exceto pelas roupas, anéis de casamento e obturações dentárias dos crentes que foram levados repentinamente para o céu. Em terra, carros estão batidos, maridos acordam e encontram apenas uma camisola ao seu lado na cama, e todas as crianças com menos de 12 anos também desapareceram. Os nove livros seguintes narram as tribulações sofridas por aqueles deixados para trás e a luta deles para serem salvos.
A série já vendeu cerca de 32 milhões de exemplares -50 milhões se você contar as versões em quadrinhos e as versões para crianças- e as vendas saltaram 60% depois de 11 de setembro. O Livro 9, publicado em outubro, foi o romance mais vendido de 2001. Os pastores evangélicos promovem os livros como leitura devocional; alguns padres os lêem para saber o que suas congregações estão pensando, assim como políticos, estudiosos e pessoas cujo trabalho é saber quais são os temores e esperanças na mente das pessoas em tempos de grandes incertezas.
Agora, o 10º. Livro, "The Remnant" (os remanescentes), está chegando às livrarias, com uma tiragem de tirar o fôlego de 2,75 milhões de exemplares de capa dura, e seu impacto poderá ser sentido muito além dos clubes do livro e das aulas de estudos da Bíblia. Para alguns leitores evangélicos, os livros "Deixados para Trás" são mais do que uma orientação espiritual: eles são uma agenda política. Quando eles lêem nos jornais sobre as crescentes ameaças à Israel, eles não se preocupam apenas por sua aliada democrática na guerra contra o terror; eles também se preocupam com o povo escolhido de Deus e com o destino da terra na qual os eventos devem se desdobrar de uma forma específica para que Jesus volte. Tal combinação ajuda a explicar o motivo de alguns líderes cristão não apenas terem se solidarizado com os judeus como nunca fizeram antes, mas também pressionarem a Casa Branca de Bush como se sua salvação dependesse disto.
Walter Russell Mead estava sentado em seu escritório no Conselho de Relações Exteriores em Manhattan em uma tarde agradável de junho, trabalhando em um livro que nasceu em setembro passado. Ele publicou uma aclamada história da política externa americana no ano passado e estava trabalhando em um estudo sobre a formação de uma classe média global. Mas ele colocou isso de lado. Empilhados ao redor dele estão o Alcorão, a Bíblia, livros de tecnologia e os livros da série "Deixados para Trás". Quando Mead prevê que nosso século será lembrado como a Era do Apocalipse, não é a intenção dele sugerir que o mundo vá terminar em breve em um holocausto chamejante. "A palavra apocalipse", ele observa, "vem da palavra grega que significa literalmente 'levantar o véu'. Em uma era apocalíptica, as pessoas sentem que o véu da realidade normal, secular, está sendo levantado, nos permitindo ver os bastidores, ver onde Deus e o diabo, o bem e o mal, estão lutando para controlar o futuro". A ponto de mais pessoas nos Estados Unidos e ao redor do mundo acreditarem que a história está acelerando, que as profecias antigas estão sendo cumpridas em tempo real, "isto muda a forma como as pessoas se sentem em relação às circunstâncias, e a forma como agem. Os tons de cinza estão começando a desaparecer na visão de mundo das pessoas, que estão começando a ver as coisas em termos mais pretos e brancos".
Nos extremos religiosos dentro do Islã, isto significa que veremos mais homens-bomba suicidas: se o juízo final de Deus está próximo, o martírio tem um apelo especial. Quanto mais promoverem sua causa como uma luta contra o Grande Satã, mais eles reforçarão a crença em alguns setores americanos de que a guerra contra o terror não poderá ser vencida com um tratado ou com diálogo, mas apenas com a vitória ou a derrota total. Os extremistas de ambos os lados vêem os eventos contemporâneos como uma validação de seus textos sagrados; cada um usa o outro para definir sua visão do plano divino.
Em tal época de incerteza, é um instinto humano natural procurar por algum bom propósito nas sombras até mesmo dos eventos mais assustadores -e para alguns leitores, isto é fornecido pela teologia dos livros "Deixados para Trás". Alguns tropeçam na série por acidente, e são fisgados. Deborah Vargas, 46 anos, de São Francisco, comprou seu primeiro livro da série "Deixados para Trás" na Target em janeiro, enquanto procurava por uma boa leitura. Ela obteve mais do que esperava, especialmente depois de 11 de setembro. "É quase como se fosse uma mensagem saída da própria Bíblia", disse ela. "Algo dentro de mim começou a mudar, e eu comecei a me questionar. O que eu estava esperando? Um sinal?" De lá para cá, ela disse, a vida dela foi transformada, e ela agora freqüenta regularmente as salas de bate-papo de "Deixados para Trás". "Eu quero conversar sobre ele o tempo todo".
Converse com as pessoas que já tinham a tendência de ler as profecias nas manchetes e você notará a empolgação delas, até mesmo uma ansiedade em saber o que acontecerá a seguir. "Nós sentimos que estamos muito próximos de algo apocalíptico, mas que algo positivo resultará disto", disse Doron Schneider, um evangélico baseado em Jerusalém. "É como uma mulher em trabalho de parto. A mulher sente a dor chegar ao máximo quando a criança está nascendo -e então ela não sente mais dor, apenas a alegria do evento feliz". Até mesmo o horror de 11 de setembro foi vivenciado de forma diferente pelas pessoas que vêem a mão de Deus em tudo. Strandberg admite que ficou "alegre" com o fato dos ataques poderem ser um sinal de que o Final dos Tempos está próximo. "Muitos comentaristas de profecias têm o que considero uma falsa tristeza em relação a certos eventos", disse ele. "Nos seus corações eles sabem que isto significa que estão mais próximos de seu desejo supremo".
Pessoas que desconhecem as profecias nem sempre encontram muito conforto nestas coisas. Quando Dave Cheadle, um pastor leigo de Denver de um ministério no centro da cidade, enviou uma carta pela Internet após 11/09 sugerindo que o Apocalipse era uma leitura relevante para a compreensão do que estava acontecendo, ele recebeu uma resposta imensa -e assustada: "As pessoas se perguntavam se estavam preparadas para morrer. Pessoas sãs, de boa formação cultural, foram até o porão que serve de abrigo para tempestades para verificar se tinham água e alimentos desidratados suficientes". Algumas tiveram dificuldade em conciliar a imagem de um Deus piedoso com os alertas assustadores que estavam lendo. "Eles estão pedindo que acreditemos em um Deus que não pode esperar para tirar a tripulação cristã dos aviões, permitindo que caiam?" pergunta Paul Maier, um professor de História Antiga da Universidade do Oeste de Michigan e autor de livros de ficção cristã, que considera os livros "Deixados para Trás" como deidades que ele não reconhece. "Não dá para acreditar em um Deus que faria tal coisa".
Outros, já crentes, passaram o último inverno sentindo a necessidade de mudar de tática, mudar de emprego, encontrar um novo meio de transmitir a mensagem urgente. Rick Scarborough, pastor da Primeira Igreja Batista de Pearland, Texas, um subúrbio de Houston, abandonou o púlpito neste mês para dedicar toda a sua energia no incentivo de que os cristãos se envolvam politicamente. "Eu estou mobilizando os cristãos e os estimulando a votar. Eu estou preparando uma frente da virtude", disse ele. Enquanto isso, o senador do estado do Wyoming, Carroll Miller, um legislador popular de Big Horn, anunciava sua aposentadoria da política para que pudesse dedicar mais tempo para falar em igrejas e clubes de homens, visando ajudar as pessoas a lidarem com a perspectiva do Segunda Vinda. "É muito importante que nós, como uma nação cristã, saibamos o que as Escrituras disseram sobre estes dias", disse ele. "Eu estou dedicando meu esforço pessoal para meu próprio bem, assim como para o bem da minha família e de meus amigos".
Miller conhece pessoas que prepararam Bíblias com índice para as passagens relevantes sobre o que acontecerá durante a Tribulação, para que seus amigos e parentes que ficarem para trás saibam como se preparar para os terremotos, gafanhotos e escorpiões: quando "o sol se tornar tão negro quanto roupa fúnebre e a lua se tornar vermelha como sangue". Depois de algum tempo, avistar o Anticristo ocorre naturalmente: quando o secretário-geral da ONU, Kofi Annan, diz ao Fórum Econômico Mundial que a globalização é a melhor esperança de resolver os problemas do mundo, quando o fórum apresenta a idéia de uma "nações unidas das principais religiões", quando a privacidade é sacrificada em nome da segurança, as manchetes são listadas nos sites de profecias na Internet como sinais de que o Anticristo está ocupado realizando seu trabalho. "Ele provavelmente é um homem de boa aparência", disse Kelly Sellers, que é dono de uma negócio de pedras decorativas em Minneapolis, Minnesota. "Eu tenho certeza que ele está na política neste momento e que provavelmente aparece um pouco aos olhos do público". Sellers já leu todos os livros da série "Deixados para Trás" e está esperando "ansiosamente" pelo próximo. "Eles me ajudaram a olhar para as notícias sobre do que está acontecendo em Israel e na Palestina", que ele acredita "estarem prenunciando o Final dos Tempos, algo que é emocionante para mim".
Sua cunhada, Jodie, acha que a tecnologia é chave para acelerar o Final dos Tempos. " 'Quando Cristo voltar, todos os olhos O verão'", ela cita o livro do Apocalipse. Graças à CNN e à Internet, "nós estamos chegando ao ponto onde todos os olhos realmente poderão assistir a tal evento". Os livros foram o suficiente para persuadir Sandra Keathley, uma funcionária da Boeing, em Wichita, Kansas, a não comprar o Windows XP da Microsoft, porque ela ouviu rumores de que ele possui um método de rastreamento de e-mails. (Na verdade, o programa tinha um bug na mensagens instantâneas, que posteriormente foi consertado.) Se o Anticristo vier, ela temia, "e você quiser contatar outro cristão, ele poderão vê-lo, rastreá-lo".
O público crescente para literatura apocalíptica atinge até mesmo os protestantes, que dedicaram pouco tempo ao fogo e enxofre. "Passavam-se anos sem que alguém me perguntasse sobre o Final dos Tempos", disse Thomas Tewell, ministro da Igreja Presbiteriana da Quinta Avenida em Manhattan -um local pouco apto ao fervor apocalíptico. "Mas desde 11 de setembro, advogados e corretores da Bolsa de Nova York, cínicos, durões, que nunca se sensibilizam por nada, começaram a perguntar: 'O mundo vai acabar?', 'Todos os eventos previstos na Bíblia ocorrerão?' Eles desejam fazer as pazes com Deus. Eu nunca vi nada parecido em meus 30 anos de ministério".
Nunca houve uma experiência religiosa comum nos Estados Unidos, e isto continua valendo agora: alguns ministros informam que atualmente, quando anunciam que pregarão a respeito do Apocalipse, a freqüência aumenta em pelo menos 20%. Mas em outras partes a freqüência à igreja voltou para ao mesmo patamar de antes de 11 de setembro, e tais pastores vêem pouco sinal de apreensão existencial. O pastor Ted Haggard, que abriu uma igreja em seu porão em Colorado Springs, Colorado, e que atualmente conta com 9 mil fiéis, atribui o aumento no interesse pelo Final dos Tempos ao império de mídia cristão: "Devido à teologia de nossa igreja, eu não acho que estejamos perto da Segunda Vinda", disse ele. "Mas muitos setores importantes da mídia cristã acreditam no cumprimento das profecias, e as pessoas respondem a isto. As pessoas adoram a melancolia e a ruína. As pessoas adoram o juízo iminente. Em primeiro lugar, elas anseiam em ver Jesus, e em segundo, elas aguardam pela justiça que Jesus trará à Terra na Segunda Vinda".
Na biblioteca dos seminários é difícil encontrar livros de estudiosos sobre a teologia apocalíptica, pois os acadêmicos tendem a tratar esta tradição como de interesse da sociologia. Eles vêem o interesse pelo Final dos Tempos como algo que cresce e diminui em ciclos de cataclismas e calma. As massas se convenceram de que o final estava próximo quando Roma foi saqueada em 410, quando a Peste Negra dizimou um terço da população da Europa do século 14, quando tremores tectônicos do terremoto de Lisboa de 1755 fizeram os sinos das igrejas soarem em locais tão distantes quanto a Inglaterra, e certamente depois de 1945, quando pela primeira vez os seres humanos empregaram um poder capaz de provocar sua destruição total; não um ato de Deus, mas um ato do homem.
Os Estados Unidos, um país nascido com um senso de que providência divina estava prestando atenção desde o início, sempre tiveram uma queda por profecias. Com sua profunda história religiosa mas sem uma igreja estabelecida, este país sempre abraçou freelancers e empreendedores religiosos. Tanto os visionários quanto os charlatões têm acesso ao altar. Foram necessários os eventos chocantes da metade do século passado para tirar o pensamento apocalíptico dos redutos fundamentalistas e popularizá-lo. A ascensão de Hitler, um homem perverso que queria matar os judeus, parecia uma história bíblica; sua destruição, e a subseqüente volta dos judeus para Israel depois de 2 mil anos, assim como a tomada da Cidade Velha de Jerusalém pelos israelenses em 1967, foram considerados tanto por judeus quanto por cristãos como evidência da obra de Deus. Israel controlava novamente o Monte do Templo, um local tão sagrado para o Islã quanto para a cristianismo e para o judaísmo, a ponto da simples visita do primeiro-ministro de Israel, Ariel Sharon, ao local ter sido suficiente para detonar o atual levante palestino. O Monte do Templo é o local da Mesquita de Al Aqsa, um dos locais mais sagrados para o Islã, mas que também é o local onde cristãos e judeus acreditam que um novo templo deve ser reconstruído para que o Messias possa vir. Certa vez um evangélico australiano tentou incendiar a mesquita para abrir o caminho, e até hoje ase excepcionalmente rígida, por temor de que aqueles que interpretam as Escrituras literalmente possam não apenas se limitar a acreditar nas promessas dos profetas, mas também possam querer dar uma mão.
Mas foi necessário algo mais, um empreendedor teológico preeminente, para envolver o grande público americano na tradição apocalíptica. "A Agonia do Grande Planeta Terra" (The Late Great Planet Earth) de Hal Lindsey, publicado em 1970, se tornou o livro de não-ficção best seller de sua década; a Time chamou Lindsey de "o Jeremias de nossa geração" por seu argumento detalhado de que o fim estava se aproximando. "Este foi o primeiro livro que li sobre os últimos dias, e ele mudou minha vida", disse George Morrison, pastor da Capela da Fé Bíblica em Arvada, Colorado, onde o número médio de fiéis nas manhãs de domingo é de 4 mil. "Repentinamente, eu tomei ciência de que havia uma ordem nesta coisa". A explicação de Lindsey para os alertas da Bíblia vieram no mesmo instante em que tinha início uma reação ao liberalismo dos anos 60, um eco da reação no século 18 ao Iluminismo. Lindsey capturou o momento que deu início a uma década de ressurgimento evan gélico, quando pela primeira vez em gerações os fiéis se organizaram para deixar sua marca neste mundo, e não no próximo.
A eleição de Ronald Reagan trouxe o "sionismo cristão" para dentro da Casa Branca: Lindsey serviu como consultor para questões do Oriente Médio para o Pentágono e para o governo israelense. O secretário do Interior, James Watt, um pentecostal, ao discutir questões ambientais, observou: "Eu não sei quantas gerações futuras podemos contar até a volta do Senhor". O secretário de Defesa, Caspar Weinberger, afirmou: "Eu li o livro do Apocalipse e, sim, eu acredito que o mundo vai acabar -por um ato de Deus, eu espero- mas todo dia eu acho que o tempo está se esgotando". Não foi por acaso que Reagan fez seu discurso do "império do mal" em um encontro da Associação Nacional dos Evangélicos.
Nunca pareceu fazer diferença o fato das previsões de Lindsey terem ultrapassado seu "prazo de validade": durante a Guerra do Golfo, as vendas de seu livro saltaram 83%, à medida que as pessoas temiam que Saddam Hussein estava reconstruindo a Babilônia e arrastando o mundo para sua última batalha. Atualmente Lindsey vê seus alertas serem vingados quase que diariamente. "Os terroristas muçulmanos vão atacar novamente os Estados Unidos, e nos atacar tão duramente a ponto de deixarmos de ser uma das maiores potências do mundo", disse ele. "Isto não está longe". Ele disse que quando ele escreveu seu livro best seller, muitas pessoas não levaram sua profecia a sério. "Eu fui chamado de falso profeta por dizer nos anos 1970 que haveria um Estados Unidos da Europa, mas há um agora. As pessoas têm assistido este cenário se formando, e é por isso que tantas pessoas acreditam atualmente que estamos em meio aos últimos dias".
Na verdade, quanto mais os evangélicos se envolvem na política, mais eles se envolvem com o mundo do aqui e agora, e o interesse na teologia do Final dos Tempos cada vez mais migra para o reino do entretenimento. E muitosargumentam que isto é um bom sinal. Nem todos os evangélicos abraçam a teologia do Final dos Tempos, e alguns até mesmo a consideram uma distração perigosa. Jesus disse que quando se trata da hora do Juízo Final, "ninguém sabe, nem mesmo os anjos no céu, mas apenas Meu Pai". Sob esta luz, se os cristãos são convocados a depositar sua fé em Cristo, isto mina a confiança na leitura dos sinais, independente dos sinais que vêem, os motivando a se concentrarem não no que não é possível saber, mas sim no que deve ser feito: curar os doentes, ajudar os pobres, divulgar o Evangelho.
É uma coisa se tornar politicamente ativo para empregar o Evangelho para melhorar a vida das pessoas, outra tentar promover um cenário religioso específico. Os Intercessors for America (intercessores pela América), um ministério de oração de 30 anos, ajuda a manter as pessoas com ligações políticas conectadas por meio de alertas por e-mail e correntes de oração por telefone. O alerta de oração de 11 de junho implorava: "Senhor, promova líderes de governo em Israel, nos Estados Unidos (e em todo o mundo) que não busquem 'dividir a terra', e que reconheçam o significado único de Jerusalém nos propósitos de Deus para o final dos tempos". Uma recusa em considerar a retirada de Israel de qualquer território ocupado tenderia a complicar o processo de paz: virtualmente todas as propostas envolvem uma troca de terra pela paz. Mas ao mesmo tempo, "se esta onda de terrorismo continuar sem que surja em breve um tratado de paz significativo", previu John Hagee, pastor da Igreja da Pedra Angular em San Antonio, Texas, que conta com 17 mil fiéis, "as faíscas produzirão uma terceira guerra mundial. E isto será a chegada do Final dos Tempos. Isto será o fim do mundo como o conhecemos".
Para muitos fiéis, isto parece menos uma ameaça e mais o cumprimento de uma promessa. "Se mantivermos nossos olhos em Israel, nós saberemos sobre a volta de Cristo", disse Oleeta Herrmann, 77 anos, de Xenia, Ohio. "Tudo o que está acontecendo -guerras, rumores de guerra- no Oriente Médio está acontecendo segundo as Escrituras". Herrmann é membro da End-Time Handmaidens and Servants (criadas e servos do Final dos Tempos), um grupo global de missionários que prega o Evangelho com ênfase nos ensinamentos do Final dos Tempos. 11 de setembro é a prova de que a crença dela na Segunda Vinda de Cristo está "mais perto do que nunca", disse Herrmann.
E aí se encontra o paradoxo central desta onda de interesse pelo Final dos Tempos. Se você acredita que o fim está próximo, a reação deve ser de temor ou esperança? "Apesar da popularidade da série "Deixados para Trás", muitas pessoas ainda consideram o Final dos Tempos como algo negativo", escreveu Kyle Watson em seu site na Internet de notícias de profecias, AtlantaChristianWeekly.com. Ele acha que os fiéis devem ficar empolgados com o fim do mundo. "Tente ver as profecias e os atuais eventos como estarmos mais perto de ficar com Cristo no céu".
Tal impulso de esperança em um final feliz é um que Cal Thomas, um colunista conservador, vê até mesmo nas perguntas dos discípulos para Jesus. Ele cita passagens da Bíblia na qual os apóstolos pressionam Jesus em busca de pistas sobre como se desdobrará o futuro. "É uma comida caseira intelectual, todo este fenômeno 'Deixados para Trás', porque diz para as pessoas, de forma popular, que tudo vai sair bem no final", disse ele. "Ele assegura às pessoas, em meio ao colapso cultural geral e em um momento de crescente perigo, que Deus redimirá o tempo". Os evangélicos que de alguma forma se sentiram deixados para trás em termos seculares, por uma cultura vulgar e o temor da decadência moral geral, apreciam os argumentos de que até mesmo os eventos mais trágicos são evidência do plano maior de Deus. Na verdade, não é preciso ser religioso para também torcer por isto.
- Com reportagem de Amanda Bower em Nova York, Rita Healy em Denver, Marc Hequet em St. Paul, Tom Morton em Casper, Adam Pitluk em San Antonio, Matt Rees em Jerusalém, Jeffrey Ressner em Los Angeles, Melissa Sattley em Austin e Daniel Terdiman em São Francisco
Glossário dos termos
Alguns termos normalmente associados às profecias cristãs do fim do mundo, como foram interpretadas do Apocalipse do Novo Testamento:
O Anticristo: Uma figura maligna que atormentará o mundo e eventualmente será derrotado por Cristo na batalha do Armageddon.
O Apocalipse: Da palavra grega que significa "revelação" ou "levantar do véu"; usada para descrever as idéias evangélicas-cristãs do fim cataclísmico do mundo e o início do reino de Cristo na Terra.
Armageddon: A batalha final entre Cristo e o Anticristo. A vitória de Cristo sobre as forças do mal em seu reino de 1.000 anos.
O Final dos Tempos: O período durante o qual ocorrerá o Apocalipse; o fim do mundo como o conhecemos.
O Juízo Final: Quando Cristo, como soberano da Terra, ressuscitará os mortos e concederá aos virtuosos a vida eterna e ao maus a danação eterna.
O Milênio: O reinado de paz e justiça de 1.000 anos de Cristo na Terra.
Arrebatamento: O ato de Cristo de levar para o céu todos os verdadeiros crentes.
A Tribulação: Um período de sete anos de desastres que terminará com a vitória de Cristo sobre o mal no Armageddon.
36% dos americanos acreditam que a Bíblia é a palavra de Deus e que deve ser entendida literalmente.
59% acreditam que as profecias do livro do Apocalipse se concretizarão.
35% dizem que estão prestando mais atenção às notícias e em como elas se relacionam ao fim do mundo desde os ataques terroristas de 11 de setembro.
36% dos pesquisados que apóiam Israel dizem que o fazem porque acreditam nas profecias bíblicas de que os judeus devem controlar Israel antes da volta de Cristo.
17% dos americanos acreditam que o fim do mundo ocorrerá durante seu tempo de vida.
Tradução: George El Khouri Andolfato